DEZ
RAZÕES PARA LEVAR A SÉRIO O DIA MUNDIAL SEM CARRO
1) Tamanho é documento
A
multiplicação indiscriminada da frota automobilística já é um dos maiores
problemas da Humanidade. Na maioria das capitais brasileiras (e mundiais) já
não há a chamada “hora do rush”, porque sucessivos congestionamentos em
diferentes horas do dia colapsam o trânsito progressivamente. A construção de
mais pontes, viadutos, túneis ou vias expressas são paliativos, não resolvem
efetivamente o problema, como muitas vezes, indiretamente, contribuem para
estimular o uso do carro. A mobilidade urbana se tornou questão central do
debate sobre qualidade de vida nas cidades.
2) É bom para a economia?
Estima-se
que o setor automotivo responda por aproximadamente 20% do PIB brasileiro.
Entre 2009 e 2011, as montadoras de veículos informam ter recolhido em impostos
diretos R$ 137 bilhões. Se as montadoras de todo o planeta fossem um país, este
seria um dos dez mais ricos do mundo. É bom lembrar que junto às linhas de
montagem, orbitam os setores de autopeças e combustíveis, além do mercado de
seguros e outros agregados. Se não há dúvida de que os automóveis fazem girar a
roda da economia, também é certo que o impacto do crescimento da frota nas
cidades tem inspirado outro gênero de contabilidade preocupante.
Segundo
o secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo,
Marcos Cintra, os prejuízos causados pelos engarrafamentos crescentes na cidade
somam R$ 52,8 bilhões por ano, o equivalente a mais de 10% do PIB municipal. Um
crescimento de 60% nos últimos quatro anos. Se outras cidades incomodadas com
os engarrafamentos realizarem cálculos semelhantes, os resultados deverão ser
surpreendentes.
3) A questão do IPI
Sabe-se
que o governo federal reduz periodicamente o IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) que incide sobre automóveis, toda vez que o setor reclama de
queda nas vendas e risco de desemprego. Essa é uma questão polêmica, uma
vez que a medida não vem acompanhada de contrapartidas sociais e ambientais que
pudessem justificar tamanha renúncia fiscal.
Nos Estados Unidos, o governo Obama socorreu as montadoras com pesadas contrapartidas (manutenção do emprego, maior eficiência e inovação tecnológica na direção de uma nova geração de motores mais econômicos). É lamentável que o dinheiro arrecadado pelo governo com a venda de carros não esteja sendo devidamente investido em transporte público de massa eficiente, barato e rápido. Não custa checar também o quanto as montadoras de veículos instaladas no Brasil transferem em divisas para as respectivas matrizes fora do país.
Nos Estados Unidos, o governo Obama socorreu as montadoras com pesadas contrapartidas (manutenção do emprego, maior eficiência e inovação tecnológica na direção de uma nova geração de motores mais econômicos). É lamentável que o dinheiro arrecadado pelo governo com a venda de carros não esteja sendo devidamente investido em transporte público de massa eficiente, barato e rápido. Não custa checar também o quanto as montadoras de veículos instaladas no Brasil transferem em divisas para as respectivas matrizes fora do país.
4) O “carrocentrismo”
No
livro “Muito Além da Economia Verde” (Ed.Abril) o professor titular
do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Economia Internacional da
USP, Ricardo Abramovay, afirma que o automóvel é “a unidade entre duas eras em
extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até
hoje consiste mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do
que em reduzir seu consumo de combustíveis (…) O mais grave é que ali onde
houve inovações nessa indústria ela se voltou mais a preencher desejos privados
por carros maiores, mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais
interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado. Foi só em
2007 que, pela primeira vez em 32 anos (houve um precedente logo após a
primeira crise do petróleo), a lei americana impôs metas de economia de
combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automobilística.
5) Lata de sardinha
O
sucateamento do transporte público no Brasil –- responsabilidade dos governos
–- determina um dos maiores fatores de estresse para milhões de brasileiros. Só
quem é passageiro e já passou pelo aperto de um trem, de um metrô, de um ônibus
ou de uma barca (experiência desconhecida pela maioria dos governantes, alguns
dos quais muito mal acostumados com os batedores que escoltam seus carros
oficiais ou vivem refugiados no vai-e-vem de helicópteros barulhentos) sabe o
tamanho do desgaste físico e emocional que isso representa.
Em
boa parte dos casos, quem sofre a agonia diária de chegar ao trabalho exaurido,
com a roupa amarrotada e cansado pelas horas de aperto no transporte coletivo,
sonha em ter um carro para se livrar desse pesadelo. O raciocínio é mais ou
menos o seguinte: melhor sofrer nos engarrafamentos em seu próprio carro,
ouvindo um agradável “sonzinho” no ar -condicionado, do que seguir apertado por
aí. O que parece ser lógico e justo no campo individual constitui um enorme
problema na esfera coletiva. A incompetência dos governos em assegurar o
direito constitucional de um transporte público decente agrava a perda da
mobilidade urbana numa escala sem precedentes.
6) Uma questão de saúde pública
Os
dados são do dr. Paulo Saldiva, pneumologista da USP: quem mora em São Paulo,
cidade com o maior número de carros do Brasil, onde a maior fonte de poluição
vem justamente do escapamento dos veículos, está vivendo em média dois anos a
menos em função de problemas causados ou agravados pela inalação de poluentes
presentes na fumaça. São aproximadamente quatro mil óbitos por ano.
7) O maior dos sonhos de consumo
Concebido
inicialmente apenas como um meio de transporte, o carro foi ganhando, ao longo
de sua história – talvez mais do que qualquer outra invenção moderna –
uma representação simbólica que explica o fascínio que exerce
sobre as pessoas em todo o mundo há muitas décadas. A publicidade soube
trabalhar bem esse sentimento, transformando no imaginário coletivo os carros
em metáforas de nossas existências, onde os sonhos de liberdade, poder, força,
status social, beleza, juventude, auto-afirmação, a capacidade de desbravar
obstáculos antes intransponíveis, a possibilidade de chegar à frente de todo
mundo (já reparou que carro só anda sem engarrafamentos em comerciais de TV?)
tornaram-se “possíveis” e “ao alcance de todos” com a simples posse de um
veículo automotor. Como resumiu uma campanha publicitária recente sobre um
determinado veículo: “ou você tem, ou você não tem”.
8 ) O efeito Pateta
Em
“Motormania”, desenho animado de Walt Disney do ano de 1950, o dócil Pateta se
transforma ao volante em alguém raivoso, egoísta e perigoso (veja
o vídeo). Alguém que dirige alucinadamente no trânsito oferecendo
risco a si próprio e aos outros. Em depoimento registrado no livro “O
automóvel: planejamento urbano e a crise das cidades” (Ed.Fiscal
Tech), a psicóloga Iara P. Thielen, diretora do Núcleo de Psicologia do
Trânsito da Universidade Federal do Paraná, diz que “ as pessoas têm um
sentimento de individualismo exagerado. Elas não vêem o trânsito como um
fenômeno coletivo. Por isso elas acreditam que, em primeiro lugar, o problema é
sempre dos outros, que são loucos e que correm, enquanto que elas apenas
exageram um pouquinho”.
9) O impacto sobre o clima
Atualmente
a frota automobilística do mundo é superior a 800 milhões de carros. De acordo
com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas
a China deverá aumentar sua frota de 17 milhões de carros para 343 milhões de
carros até 2030. Segundo a secretária de Economia Verde do Estado do Rio de
Janeiro, a professora da COPPE/UFRJ, Suzana Kahn, que também integra o Painel
Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o setor de transportes é
responsável onde por 23% das emissões globais de gases estufa (que agravam o
aquecimento global) e cerca de 50% a 70% dos poluentes atmosféricos. Os
automóveis sozinhos respondem por metade de tudo isso.
10) “A era do automóvel”, por João do Rio
Membro
da Academia Brasileira de Letras, João do Rio registrou em 1909, numa crônica
profética, alguns dos problemas causados pela multiplicação indiscriminada de
automóveis nas ruas das cidades. Note-se que esta crônica foi publicada em 1909
quando apenas 37 automóveis rodavam pelas ruas do Rio de Janeiro, então com 500
mil habitantes. O texto foi reproduzido na íntegra no livro “O automóvel :
planejamento urbano e a crise das cidades” (Ed.Fiscal Tech).
Destaco aqui apenas o início e o final da crônica:
“E
subitamente, é a Era do Automóvel.O monstro transformador irrompeu, bufando,
por entre os escombros da cidade velha, e como nas mágicas e na
natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas
aspirações (…). Automóvel, Senhor da Era, Criador de uma nova vida, Ginete
Encantado da transformação urbana, Cavalo de Ulysses posto em movimento por
Satanás, Gênio inconsciente da nossa metamorfose!”
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